terça-feira, janeiro 25

Agridoce


Deixou-se cair de costas na cama. Estava farta daquela casa vazia. Virou-se de barriga para baixo, fechou os olhos. A primeira coisa que lhe ocorreu foi ficar ali deitada o resto do dia, da noite, da semana. Levantou-se de repente, essa inércia assustava-a mais da qualquer outra coisa no mundo.
Pegou no casaco. Preto. Desceu as escadas num passo lento, olhou as paredes vazias, nuas, sem as memórias do que restava do passado dela.
Abriu a porta e não se deu ao trabalho de a trancar depois de sair. A casa estava vazia, assim como o seu coração.
Não abriu o guarda-chuva. A chuva fina caía em cortinas prateadas, enquanto ela caminhava sem destino. Não conseguia sentir o frio, nem qualquer outra sensação… Não ouvia mais nada a não ser o som dos próprios passos. E continuou a andar. Passou pelo parque infantil. Vazio. A chuva tornava-o tristonho. Olhou o baloiço que oscilava ligeiramente nos gonzos, empurrado pelo vento e pela chuva de Inverno. Era exactamente assim que se sentia… presa a alguém que não queria, e que também não a queria a ela. Empurrada pelas mais fortes razões, que nem ela sabia ao certo quais eram.
Não havia um único dia, principalmente nos últimos 3 anos, em que não se perguntasse o porquê de estar com uma pessoa que não a fazia feliz. O porquê de estar com alguém por obrigação.
Sentia-se enclausurada na própria casa, na própria vida.
Ela tinha abdicado de tudo por ele. Tinha mudado a sua vida, tinha mudado a sua forma de ser, tinha-se moldado à vida que ele criara para eles. Tinha sido a “Grande Mulher, por trás do Grande Homem”. Tinha sido a esposa e dona de casa perfeitas.
Mas não era ele que ela queria. Ela queria o Outro.
O que nunca tinha desistido. O que dava a vida por ela. Aquele com quem tinha feito planos de vida para os dois, que sabia qual era a sua música preferida, que sabia que ela detestava brócolos e que sabia que ela o iria deixar.
Aquele que chorara quando ela partira, aquele que lhe telefonara depois do seu primeiro aborto, aquele que estivera do seu lado depois do segundo, e depois do terceiro.
Ainda assim, ela tivera medo de ser feliz. Ele pediu-lhe para fugir com ele. Ela disse que não se podiam ver mais. E o tempo passou.
Agora?
Agora não lhe restava nada a não ser aquele sabor agridoce na boca.
 - Posso fazer alguma coisa por si? Parece um pouco perdida.
Desviou os olhos do baloiço. Ouviu, viu e sentiu. O mundo parou e ela soube…
Não interessava se aquela era a sua cidade, se aquele era o seu lugar, porque o Outro… O Outro homem, era o Seu homem.

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