terça-feira, janeiro 11

Lua Cheia


Fechou a porta da rua, pousou a carteira e começou a despir-se mesmo ali, no hall de entrada.
Tinha apanhado a chuvada da vida dela, o cabelo estava completamente encharcado, a roupa pingava, e para piorar ainda mais a situação, tinha o estômago colado às costas.
Descalçou as botas, tirou as calças de ganga, as meias e a camisola de malha vermelha. Correu para a cozinha em roupa interior. Abriu o armário dos cereais, pegou numa caixa de muesli e verteu-os para dentro de uma tigela. Podia sobreviver sem reclamar a muita coisa, desde o maior temporal da história, ao patrão mais chato do mundo, ou à mãe mais impertinente de todas (que era sua, por sinal). Mas de estômago vazio nada funcionava e quando a fome apertava o seu mau génio aflorava em força.
Meteu à boca uma colherada de muesli, que engoliu quase sem mastigar e dirigiu-se para a casa de banho. Pôs a água a correr para dentro da banheira, e sentou-se em cima do tampo da sanita a comer os cereais.
Pousou a tigela vazia no tampo do lavatório e entrou para dentro da banheira. Tapou o nariz e emergiu a cabeça, voltou à tona da água, respirou fundo e puxou o cabelo para trás. Aos poucos sentiu os músculos a relaxarem. Lavou o cabelo, colocou-lhe a máscara hidratante e enquanto esperava que esta fosse absorvida, pegou no puff e no gel de banho de mirtilos e passou-o pelo corpo. Não estava com muita paciência para cozinhar, provavelmente encomendaria uma pizza mais para o fim da noite. Ainda tinha umas coisas para fazer, devia ligar à mãe a perguntar pelo avô, mas como os discurso era sempre o mesmo, e interminável, ia optar por ligar à irmã.  
Tirou o que restava da máscara do cabelo, abriu o ralo da água e ouviu o telemóvel a tocar.   Vestiu o roupão, enrolou uma toalha mais pequena na cabeça, e assim que chegou ao hall de entrada o telemóvel parou de tocar. Devia ser ele.
Lançou-se na difícil procura do telemóvel dentro da mala. Encontrou-o. Dirigiu-se para a sala, sentou-se no sofá e ligou a aparelhagem. Ao som de “Wicked Game” remarcou o número da última chamada e esperou pela voz dele.
Disse o nome dela. Como se fosse um dado adquirido. Como se fizesse parte da sua identidade. Ela sorriu e percebeu o cansaço na voz dele. Disse que tinha saudades, que já não comiam pizza juntos à imenso tempo. E que tinha saudades dele (outra vez).
Ele disse que ia conduzir a noite toda, que estava exausto, que precisava dela e que a amava. Que lá para as cinco da manha estava em casa, que precisava das bolachas dela, que precisava de sentir o cheiro dela e de fazer amor com ela. Ela deu uma gargalhada.


São quase 5 da manha.

Um comentário: