terça-feira, janeiro 4

Marés

As lágrimas queimavam-lhe os olhos como ácido. Engoliu um soluço amargo e tentou sorrir - nem quando estava sozinha podia permitir-se a ser fraca.
Rodou a chave na ignição do carro, fez inversão de marcha e deixou que o carro a conduzisse. Só precisava de cinco minutos para acalmar aquele nó na garganta. A outra dor, a mais profunda, essa sabia que não ia desaparecer tão cedo.
Sempre soubera disfarçar o que sentia e de todas as vezes que queria chorar, simplesmente optava por sorrir! Era tão Portuguesa caralho...
Quem é que ri quando está triste, e chora quando está feliz?!
Queria ligar-lhe, mas o que é que ia adiantar?! Nada... isso já ela sabia. Ia preocupa-lo, ia deixa-lo nervoso, ia ter que lhe mentir e atenuar os piores pontos da situação. Como era possível que conseguisse mentir-lhe caramba? Ele ia saber de qualquer maneira.
Lembrou-se da primeira vez que o viu, lembrou-se da primeira vez que ele disse que a amava e lembrou-se que se ele a visse assim diria : "Estás um caco Rapariga". Com aquele veludo na voz que só ele tem. Com os olhos brilhantes, desejosos de a abraçar. E ela iria fugir da ternura dele... afinal de contas, tinha-o feito desde sempre!
Parou o carro no cimo do penhasco, aconchegou o cachecol cor de avelã ao pescoço e abriu a porta. O vento acariciou-lhe o rosto, como um velho amigo e cheiro salgado da maresia inundou-lhe imediatamente o cérebro...com ele vieram mais recordações.
Olhou o horizonte, onde se começavam a formar algumas nuvens, de aparência fofa e cremosa, mas que em breve se transformarião numa tempestade.
A maré estava a descer e o som das ondas era a única coisa que precisava de ouvir. Não queria as vozes empastadas de dor, nem os olhares doridos. Queria o som, o poder da água que ora docemente, ora duramente desfaz a terra. Queria o som, o sussurro da areia, que arrastada pelo mar, suspiram juntos como se fizessem amor.
Desceu as trémulas escadas de madeira, sentando-se na última. Descalçou os ténis, tirou as meias de algodão e enfiou os pés nus na areia. Suspirou, olhou o mar, e prendeu a respiração... As lágrimas voltaram e ela nem se apercebera. Colocou os braços em torno das costelas, para não se desmoronar.Olhou em redor e lembrou-se de todas as vezes que tinha brincado naquela praia, de todas as vezes que tinha esperado por Ele naquele mesmo local, de todas as conversas que tinham tido, de todas as vezes que ela Lhe pediu para a levar... e em vez disso Ele levou-a. A  ela... Àquela que amava mais do que a si mesma... um quarto de si, estava morto.

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